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Variante agressiva do vírus Oropouche circula no país

Nova linhagem se multiplica com rapidez e pode facilitar a transmissão. Este ano, essa linhagem foi identificada em SC, PR e RJ

Variante agressiva do vírus Oropouche circula no país

Uma variante do vírus Oropouche (Orov), causador da febre do Oropouche, identificada em janeiro na região Norte, pode ser a responsável pela atual propagação da doença no país. Nos primeiros sete meses deste ano, o Ministério da Saúde registrou 7.284 casos (em 2023, foram 831), incluindo quatro casos de microcefalia e a morte de duas mulheres sem comorbidades, de 21 e 24 anos, com sintomas semelhantes aos da dengue, as primeiras registradas no mundo por esse tipo de vírus. No sábado, dia 3, o Ministério da Saúde confirmou a primeira morte fetal causada pelo vírus, com transmissão de mãe para filho, no estado de Pernambuco. Até a segunda, 5, o estado de São Paulo havia confirmado cinco casos.

Estudo realizado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e divulgado em julho mostrou que, inoculada em células humanas, a variante chamada de Orov_BR-2015-2024, ou novo Orov, produz 100 vezes mais vírus no período de 48 horas que a primeira linhagem isolada no Brasil, nos anos 1960. Cultivada, formou buracos na camada de células – ou placas de lise, sinal de propagação do vírus – até 2,5 vezes maiores.

“O novo Orov é capaz de se replicar mais rapidamente e escapar de parte dos anticorpos produzidos pelo sistema imune em resposta a infecções prévias”, observa o virologista José Luiz Módena, coordenador da equipe da Unicamp. “Por se multiplicar muito rápido, provavelmente pode alcançar quantidades maiores no sangue de pessoas ou animais infectados, o que potencialmente favorece a infecção do inseto transmissor.”

Atualmente, o principal transmissor é o maruim ou mosquito-pólvora (Culicoides paraensis), com cerca de 2 milímetros de comprimento, cujas larvas se alimentam de matéria orgânica de matas, parques e plantações, normalmente na periferia das cidades.

Como se fez durante a pandemia de Covid-19, Módena publicou os resultados em 30 de julho como preprint (artigo ainda não avaliado por especialistas da mesma área) na plataforma medRxiv. O pesquisador examinou amostras de sangue de moradores de Manaus, no Amazonas, com sintomas parecidos com a dengue, coletadas em 2024.

De 93 amostras, 10 eram de pessoas com febre do Oropouche. Duas foram sequenciadas e identificadas como sendo o novo Orov, descrito pela primeira vez em janeiro pela equipe do virologista Felipe Naveca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Amazônia, em Manaus.

A nova linhagem foi identificada após o sequenciamento de 400 vírus coletados durante o surto ocorrido no Amazonas, Rondônia, Roraima e Acre entre 2022 e 2024, como detalhado em preprint publicado por Naveca em 24 de julho também na medRxiv. Este ano, essa linhagem foi identificada em Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro, indicando que está se espalhando pelo país. “O novo Orov surgiu entre 2010 e 2014, a partir do rearranjo genético de três diferentes vírus que circularam no Brasil, no Peru, no Equador e na Colômbia”, diz Naveca.

Embora seja um vírus de RNA, como o coronavírus, o Orov possui três fitas de material genético, em vez de uma, como é mais comum. “O genoma segmentado facilita os rearranjos, quando os vírus trocam uma dessas partes do RNA”, afirma Naveca. Segundo ele, esse tipo de vírus não gera tantas variantes quanto o Sars-CoV-2, da Covid-19, porque muitas delas não devem conseguir infectar de maneira eficiente os insetos e os outros animais para os quais eles os transmitem.

“É um vírus com alta capacidade de matar as células que infecta”, diz o virologista Eurico Arruda, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), que começou a estudar o Oropouche nos anos 1990. Como ele detalhou em um artigo de 2017 na Journal of Medical Virology, o vírus infecta os leucócitos, células do sistema imune do sangue, por meio das quais se espalha no organismo. Em outro estudo, de 2021, na Frontiers in Neuroscience, as equipes de Arruda e Adriano Sebollela, também da USP de Ribeirão Preto, mostraram que o Orov consegue se multiplicar em fatias de cérebro humano mantidas em laboratório, provocando uma resposta inflamatória prejudicial ao organismo.

Células de cérebro humano infectadas por Oropouche (em verde)Glaucia Almeida
Os pesquisadores ouvidos por Pesquisa FAPESP concordam que a nova variante não é o único fator impulsionando a epidemia de febre do Oropouche. O aumento da temperatura e a mudança no regime de chuvas em razão das mudanças climáticas podem ter ampliado a área de ocorrência do maruim. Além disso, o desmatamento no sudoeste da Amazônia, incluindo os estados do Amazonas, Acre e de Roraima, pode ter obrigado os insetos a ocupar áreas urbanas.

Fonte: Fapesc
(https://revistapesquisa.fapesp.br/)


 

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